Vícios Modernos - parte I




Está quase impossível de sair às ruas para uma tranquila caminhada sem termos de enfrentar esses poluidores e barulhentos veículos, os carros.
Pela definição técnica não são apenas carros, são veículos automotores, e ainda circulam movidos pela estúpida energia petrolífera, mais uma das armadilhas criadas por humanos e para humanos para a nossa própria escravização ao sistema mais individualista já criado.
Lembram-se de há trinta, quarenta anos quando as pessoas paravam ou viravam-se para olhar quando um carro passava? Hoje em dia, os condutores fazem isso para quem está a caminhar! Sim, o nada usual é usar as pernas para se chegar a algum lugar. As políticas obsoletas da maioria dos governos do mundo está focada para os automóveis e para toda a estrutura que essas máquinas requerem em seus deslocamentos.
Posso falar de minhas experiências, pois é esse o método mais acurado para alguém poder abrir a boca e falar algo com alguma propriedade - ou, ao menos, com sinceridade. Deixei de possuir veículos (motos e carros) há mais de dois anos ao chegar à conclusão de que um carro era muito oneroso de se manter; logo, a consciência iniciou-se pelo bolso. Comecei a alugar carros para dias em que fosse viajar. Isso também acabou se tornando desnecessário após eu poupar dinheiro para as viagens aéreas e consequentemente para usar o transporte público. As viagens me trouxeram muitas alegrias e muita consciência de que se pode ir a qualquer sítio sem depender muito de um carro; quem quer ir a qualquer lugar, obrigatoriamente vai ter de dar um passo; um passo após outro chega-se ao destino - mesmo que não se tenha um destino certo.
Assim como o celular, o carro é uma forma de nos deixar isolados do resto do mundo através de uma carcaça de metal, cujo motor explode a ritmo constante e que faz girar rodas; esse fascínio por automóveis, celulares, auriculares, máquinas de café espresso e tudo o que foi e está sendo criado para "uso individual" aumenta o desejo de posse e nos põe à parte de nossas próprias famílias e da grande família - a humanidade.
Além de os motores serem barulhentos, a parte que mais produz esse irritante barulho de carros a passar são os pneus. O atrito do pavimento com os pneus gera um ruído irritante quanto mais passam a eito esses agentes da destruição. Muitas vezes os veículos vêm em ondas que mais se parecem com caravanas, pessoas reunidas para ir a um destino em comum no mesmo instante e ai de quem ousar interromper esse fluxo insano! Em Portugal ando com pessoas que se irritam quando passa um peão pela passadeira e que precisam parar ou diminuir para que os que têm direito e preferência por lá atravessem a via.
Estar pedestre é fora de moda, fora da nova ordem mundial! O que é maravilhoso para mim.
Quantas vezes meus pensamentos se transformam em raiva, pois que não sou nenhum bodhisattva, ao desejar que todos os carros pudessem parar por um dia ou com que os condutores tivessem de fazer o mesmo trajeto que eu e enfrentar o desrespeito para com os pedestres e pelas demais leis de trânsito (excesso de velocidade e não desviar a uma distância segura dos peões).
Obviamente tudo o que é ao extremo não é salutar e isso de não circular veículo algum por certo tempo poderia trazer o caos; deixarei assim: apenas os veículos utilizados em situação de urgência e emergência poderiam circular. Ninguém vai morrer de fome e nem de sede por um dia sem o abastecimento de alimentos e de água. O dia "sem carro" seria assim batizado e deveria ser instituído em todas as nações. Isso poderia ser estendido para os demais dispositivos que nos fazem aumentar o culto ao individualismo - cada um deve pensar no que poderia ser compartilhado entre todos e, dessa forma, contribuir com a vida em uma verdadeira comunidade (do Latim communis, comum).
Volto-me aos "parasitas" aos novos "tabacos", os carros; no futuro eles serão compartilhados, as pessoas vão poder apanhar um carro em qualquer parte e andar com ele do mesmo jeito que fazem com as trotinetes e as bicicletas. Isso vai demorar um bom tempo já que as montadoras de automóveis devem mudar de estratégia em breve e voltarem-se para a produção em grande quantidade para poucas companhias - como acontece com os bancos, as companhias farmacêuticas, as companhias aéreas etc. A economia global tem a forma de funil e se rastrearmos o dinheiro, de onde vem e para onde vai, chegamos sempre às mesmas pessoas e companhias.
Há gente que trata seu veículo como se fosse uma outra pessoa: enche-o de cuidados, de seguros, de (prendas) acessórios, banha-os, encera-os, perfuma-os e ainda dá um jeito de estar sempre perto deles, dentro deles, ao lado deles e falando sobre eles.
Os dados da produção automotiva no Brasil são surpreendentes: em outubro de 2018, 254 mil automóveis foram vendidos no país, um aumento de 25,6% em relação a outubro de 2017. O número de nascimentos no Brasil em 2017 foi de 2.874.466 de pessoas e o número de automóveis novos vendidos foi de 1.855.874, uma proporção de 1,55 pessoa por carro produzido (a cada 155 pessoas que nasceram 100 carros novos foram vendidos). Apesar desses números interessantes, ainda há muito espaço no Brasil onde se vê pouco carro a circular, diferentemente de Portugal que possui, mais ou menos, 500 carros a cada 1000 habitantes (o Brasil fica com aproximadamente 380/1000).
Se pegarmos estatísticas ano após ano veremos que a venda de veículos está sempre a aumentar dependendo de como vai a economia de cada país, mas em geral sempre há mais veículos a serem produzidos a cada novo período e nos podemos ver mais prisioneiros dessas máquinas - mais carros, mais impostos a pagar, mais combustíveis a consumir, mais autopeças, mais seguros e uma coisa que é comum a todos os lugares, mais mortes.
O "vício" também é fatal.
As mortes em decorrência de acidentes de trânsito são a principal causa de morte entre pessoas com idade entre 5 anos e 29 anos em todo o planeta. Números mais difíceis de serem encontrados são os gastos com aqueles que tiveram sequelas graves e não podem mais trabalhar. Mas há sempre alguém que lucra com as desgraças, pois assim é o sistema monetário, e esses dados chocantes terão uma lenta diminuição até que quem ganhe com as desgraças encontre um meio de substituir as atribuídas ao trânsito por outra/s.
Por que continuamos a consumir carros, a nos matar com eles, a poluir o planeta, a sermos mais individualistas? Estamos cegos por nosso egoísmo e orgulho e, para satisfazer tais senhores, escravizamo-nos e queremos o isolamento dos demais humanos em nossos possantes e velozes agentes do perpetuar do individualismo, nossas bolhas metálicas físicas e psicológicas, os carros.

                  Que seja instigada a
🏃🏃Revolução dos Peões/Pedestres!🏃🏃



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